A maioria dos leitores não sabe, mas Stephen King, nos anos de 1970, publicou uma série de livros sob o pseudônimo de Richard Bachman, tais como: Fúria, de 1977; A longa marcha, de 1979; e A autoestrada, de 1981. Seu plano era descobrir se seus livros vendiam pela fama de seu nome ou porque realmente eram bons. Essa experiência acabou se tornando mais séria e mais duradoura do que inicialmente planejado, tanto que King negava qualquer ligação com Bachman. Oficialmente, eram pessoas diferentes. Apenas em 1985, quando o dono de uma livraria descobriu que os direitos autorais dos três livros de Bachman eram de Stephen King, que a verdade veio a público. King ficou frustrado com o fim de seu pseudônimo, e isso foi a inspiração para ele escrever A METADE SOMBRIA.

A história segue a vida de Thad Beaumont, desde seus 11 anos de idade, quando ele encontra sua vocação para a escrita e passa por episódios de fortes dores de cabeça, com o som constante do cantar de pássaros, mais especificamente de pardais. Após exames, o médico informa que ele tem um tumor benigno no cérebro, que precisa ser removido. Quando o cirurgião começa o procedimento e faz o corte na cabeça do menino, descobre que não é bem um tumor o que ele tem, mas algo bem diferente. Não vou contar o que é, mesmo que isso seja mostrado logo nas primeiras páginas, para não estragar o susto. De qualquer forma, o que ele tem é removido, e Thad passa a ter uma vida normal.

Já adulto, Thad é um escritor famoso, mas não com o seu nome, e sim com o pseudônimo de George Stark. Thad tentou ter sucesso na escrita, mas seus livros não obtinham o sucesso esperado. Apenas quando assumiu o nome de Stark e começou a escrever livros sangrentos, com personagens violentos, que conseguiu reconhecimento. Mas ele cansou de viver nas sombras de alguém que não existe. Após um jornalista descobrir que Stark é Thad e o chantagear, Thad vê a chance de enterrar Stark de vez. E é isso mesmo que ele faz. Chama a imprensa e anuncia que usava esse pseudônimo. Inclusive, incentivado por uma revista, ele tira até uma foto em um cemitério, fazendo o enterro simbólico de George Stark. Mas poucos dias depois, algo sai da cova que deveria estar vazia e começa a matar as pessoas que participaram da revelação de que Stark é Thad.

King é um mestre na forma como consegue criar acontecimentos bizarros e absurdos que se tornam totalmente críveis para quem está lendo. A METADE SOMBRIA não é um livro de terror, apenas de suspense, embora contenha partes que remetem ao sobrenatural. King não se preocupa em criar explicações elaboradas sobre o porquê desses acontecimentos sobrenaturais, e o leitor não sente falta delas. Como já temos um prévio conhecimento de como o mundo do além funciona, não apenas através das outras obras dele, como de livros e filmes de outros autores do mesmo gênero, já ficam pré-estabelecidas as regras. E isso evita aqueles trechos longos que tentam dar uma lógica a algo que foge da lógica.

Até metade do livro, ficam muitas dúvidas sobre a veracidade da inocência de Thad. Embora todas as evidências apontem para ele como o responsável pelas mortes, por causa das impressões digitais e exames de DNA, é impossível, uma vez que nos momentos das mortes, ele tinha várias outras pessoas ao redor dele, além da distância enorme entre os locais dos assassinatos. Mas tudo é possível em histórias de King. Essa dúvida sobre a inocência dele termina antes da metade do livro, mas enquanto dura, insere na história um suspense bem-vindo.

Liz, a esposa de Thad, me surpreendeu. No início da história, achei que ela seria apenas uma personagem coadjuvante, aquele clichê de esposa que só aparece para estabelecer conversas ou marcar presença em algum trecho. Mas, não. Liz é uma mulher segura, ela tem plena convicção de que Thad não matou ninguém, e quando descobrem que Stark pode existir, ela não duvida nem um por segundo da palavra de Thad. E mesmo no clímax da história, quando a vida dela e dos dois filhos gêmeos está em risco, ela procura se salvar sem depender de ninguém, ela consegue criar vários momentos de fuga, o que exige muita coragem.

Alan é o xerife do condado que fica responsável pela investigação da primeira morte. Por causa das provas encontradas na cena do crime, impressões e DNA, ele tem certeza de que Thad é o assassino. Sua raiva quando chega na casa de Thad para o prender, é totalmente compreensível. E sua perplexidade quando descobre que seria impossível ser Thad, porque no momento da morte, ele estava dando uma festa com dezenas de convidados e a quilômetros de distância, também é muito bem descrita. O personagem modifica suas atitudes no decorrer da trama, quando mais mortes acontecem e o sobrenatural aparece. Ele acaba por ser um reflexo do leitor.

Como curiosidade, Alan apareceu em outros livros de King, e ele chega a mencionar uma das outras histórias. O mesmo acontece com a cidade, Castle Rock. É a mesma cidade de A ZONA MORTA, O CORPO (aqui virou um dos melhores filmes de sempre, CONTA COMIGO), CUJO, IT A COISA, entre outros livros. Inclusive tem uma série, que não sei se ainda está passando, com o mesmo nome da cidade, onde acontece uma mistura de várias histórias de King.

Mais uma curiosidade? Existem versões antigas com um título diferente, A METADE NEGRA. Acho que nem preciso explicar porque aconteceu uma mudança nesse título, certo? E isso foi muito acertado, sem qualquer dúvida,

A METADE SOMBRIA é uma típica história de Stephen King, que reúne suas principais características, com muito suspense e aquela ponta com o sobrenatural, além de algumas surpresas e um clímax envolvente. E é curioso fazer um paralelo com o que aconteceu com o autor na vida real. A edição está lindíssima, capa dura, e merece, sem dúvida, uma leitura e um local em destaque na sua estante.


AVALIAÇAO:


AUTOR: Stephen King era um leitor fanático dos quadrinhos EC’s horror comics incluindo Tales from the crypt, que estimulou seu amor pelo terror. Na escola, ele escrevia histórias baseadas nos filmes que assistia e as copiava com a ajuda de seu irmão David. King as vendia aos amigos, mas seus professores desaprovaram e o forçaram a parar. De 1966 a 1971, Stephen estudou Inglês na Universidade do Maine em Orono, onde ele escrevia uma coluna intitulada “King’s Garbage Truck” para o jornal estudantil, o Maine Campus. Ele conheceu Tabitha Spruce lá e se casaram em 1971. O período que passou no campus influenciou muito em suas histórias, e os trabalhos que ele aceitava para poder pagar pelos seus estudos inspiraram histórias como “The Mangler” e o romance “Roadwork” (como Richard Bachman).
TRADUÇAO: Regiane WINARSKI
EDITORA: Suma
PUBLICAÇAO: 2019
PÁGINAS: 464


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