O romance mais famoso de Bernardo Guimarães, que poderia ser classificado como uma novela, escrito em 1876, doze anos antes da Lei Áurea, divide opiniões quanto à mensagem que desejava transmitir. Alguns defendem que era abolicionista; outros, que era racista; outros ainda, que foi uma forma de o autor chamar a atenção das leitoras da época para a injustiça da escravidão. Não há como ter certeza, é algo interpretativo. Eu, pessoalmente, prefiro acreditar na terceira opção, uma vez que, realmente, muitas mulheres, que era o público que consumia livros, deram-se conta de como os negros eram tratados. Mas também não há como negar que existem vários trechos onde Guimarães compara os maus tratos a Isaura como algo pior do que se fosse feito com um negro. E o fato da vilã ser uma negra, contra uma branca, também é complicado. Pode ser um problema do racismo velado? Pode. Ou não.
Acho que poucos não conhecem a história de A ESCRAVA ISAURA, principalmente por causa da novela da Rede Globo, exibida quatro vezes na televisão, exportada para mais de 150 países, e que pode ser vista em formato compacto no Youtube. Após a leitura do livro, confesso que precisei conferir a adaptação. Não vi todos os capítulos (trinta no total), mas vi as partes mais importantes, inclusive o final. Posso dizer que é bastante fiel ao texto de Guimarães, e tanto Lucélia Santos, quanto Rubens de Falco, estão perfeitos como Isaura e Leôncio.
Mas para quem não conhece, a história, de forma bem resumida, é sobre uma escrava branca, Isaura, cujo dono, Leôncio, proprietário de uma grande fazenda em campos, Rio de Janeiro, se apaixona por ela, mas não consome seus desejos, porque é casado com Malvina. Após várias investidas às escondidas, Leôncio ameaça prender Isaura no tronco, caso ela não ceda às suas vontades. Então, Miguel, o pai de Isaura, decide fugir com ela
Para Recife, Pernambuco, até que consiga uma forma de sair do Brasil. Nesse interim, Isaura conhece Álvaro, um órfão e herdeiro de uma imensa fortuna, se apaixona por ele, mas sabe que pode ser encontrada por Leôncio a qualquer momento.
Toda a trama é bastante novelesca, o que corrobora a tese de que Guimarães escreveu com o objetivo de chamar a atenção das mulheres da época, ávidas por esse tipo de literatura. A narrativa é ágil, pouco descritiva, muita coisa acontece em poucas páginas, praticamente não existe desenvolvimento com nenhum personagem. Aliás, a forma de escrita de Guimarães, parece uma conversa informal, onde alguém conta, de forma descompromissada, um caso qualquer que conhece. Em alguns trechos, mais nos diálogos, ela chega a ser ingênua, o que não quer dizer que não seja dramática, principalmente na sua conclusão, cuja última frase é bastante cruel. E, por isso mesmo, se você tem costume de ler a última página, e não conhece a história de Isaura, não faça isso neste livro. Irá receber o maior spoiler possível.
Quando disse que quase nenhum personagem é desenvolvido, realmente não é. O livro é curto, daí chamá-lo de uma novela, e o histórico de cada personagem é contado de forma resumida pelo narrador, com informações suficientes apenas para o leitor se situar em quem é quem. Os diálogos também são usados de forma comedida, até mesmo pela personagem principal. Isaura tem pouquíssimas falas, e quase todas elas, são de lamúria. Leôncio é aquele que mais conversa e que tem um desenvolvimento maior. Mas quase tudo o que diz, é perverso, o que justifica sua fama de ser um dos piores vilões da literatura nacional. Além dele, Isaura também precisa lidar com Rosa, uma escrava negra que sente ciúmes por não ser tratada igual. Mas sua participação é mínima, embora importante.
Eu achava que a leitura seria mais demorada, mas me enganei. A forma da escrita não atrapalha, é bem mais amigável do que muitos outros clássicos, e as poucas páginas contribuem para que se chegue ao final do livro em duas ou três horas apenas. Recomendo que assistam algumas partes da adaptação no Youtube, é um bom complemento para tentar encaixar várias situações que são mencionadas brevemente no livro, e na televisão foram desenvolvidas e expandidas. Ah, e sentirão mais raiva ainda de Leôncio, com certeza.
Voltando ao que escrevi no início da resenha, sobre o tom do livro, reforço meu pensamento de que o autor desejava dar uma sacudida na sociedade através das leitoras mulheres. Sem dar spoiler, em uma determinada parte do livro, lá para o final, existe uma situação, quando é feita uma revelação bem novelesca, onde fica claro a intensão do autor de mostrar como as pessoas são preconceituosas e racistas. Quem ler a obra, vai saber exatamente que parte é essa.
Fica meio repetitivo escrever isto em toda a resenha de clássicos, mas é necessário avaliar a época em que o livro foi escrito para conseguir compreendê-lo. A ESCRAVA ISAURA é um romance leve, descompromissado, com uma pequena carga dramática, que entusiasma por suas partes onde os personagens bons são confrontados pelos personagens maus, sempre cheios de subterfúgios e planos para conseguirem seus intentos escusos. Não é complexo, mesmo porque não tem esse objetivo, mas encanta como um exemplar de uma literatura populista, que pode muito bem ser equivalente à maioria dos romances que lemos hoje em dia.
A edição que ganhei da editora é bem simples, capa clássica, páginas amarelas, letras confortáveis, com uma atualização ortográfica competente, que auxília muito na leitura. Existem alguns desenhos no início e no fim dos capítulos, além de um desenho de Isaura logo nas primeiras páginas. Aproveite o preço, está bem em conta.
AVALIAÇÃO:
AUTOR: Bernardo GUIMARÃES (Ouro Preto, 15 de agosto de 1825 — Ouro Preto, 10 de março de 1884) foi um romancista e poeta brasileiro, sendo o patrono da Cadeira nº 5 da Academia Brasileira de Letras. Formou-se na 20ª turma da Faculdade de Direito de São Paulo, em 1851, colando grau em 15 de março de 1852, e nesta cidade tornou-se amigo dos poetas Álvares de Azevedo (1831-1852) e Aureliano Lessa (1828-1861). Em 1861, reassumiu o cargo de juiz municipal e de órfãos de Catalão. Foi quando, ao ocupar interinamente o juizado de direito, Bernardo Guimarães convocou uma sessão extraordinária do júri, que liberou 11 réus porque a cadeia não estava em condições de abrigá-los. Em 1881, é homenageado pelo imperador Dom Pedro II.
EDITORA: Autêntica
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 172
COMPRAR: Amazon
Um clássico da literatura nacional! Li duas vezes: Uma na época da escola e outra recentemente.
Quanto ao questionamento feito na resenha na minha humilde opinião é um pouco da segunda e terceira opções: Uma novela para chamar a atenção das jovens da época com um toque abolicionista. Onde prevaleceu mais a história de amor mas que para mim pode ter contribuído um pouco para a discussão sobre a questão dos escravos.
Mesmo que os personagens não sejam tão aprofundados senti nojo medo e ranço do Leôncio.
Confesso que tenho que tomar vergonha na cara e começar os clássicos da nossa Literatura Brasileira. Li poucos até o momento, e A escrava Isaura infelizmente não é um deles!!
Eu também acho que o autor Bernardo Guimarães queria dar uma sacudida na sociedade feminina com relação à escravidão. E realmente para compreender uma obra, temos que conhecer o contexto histórico em que ela está inserida.
Gostei muito da resenha!!
Ahh, só uma observação. No trecho: “…Leôncio, proprietário de uma grande fazendo em campos…” você escreveu fazendo ao invés de fazenda rsrs
Bjos
Acabei lendo este livro há muito tempo, claro que não nesta versão,mas uma bem antiga. Não me recordo se foi na época do sucesso da novela, que aliás, acompanhei na sua primeira versão também!
Acredito piamente que todos os grandes clássicos deveriam fazer parte de nossa vida sempre, há tantos, mas tantos livros bons em nossa história e Isaura é um destes grandes clássicos.
Super recomendada a leitura!
Ah, adorei essa nova edição!
Beijo
Lembro do sucesso que foi na TV e das várias vezes que passou, mas nunca consegui acompanhar por causa dos horários.
Não li esse livro e não pretendo fazer, mas conheço brevemente a história e acredito que tenha sido um livro de grande importância para a época e seu público alvo – na qual uma parte teve essa mesma ideia de dar um chacoalho na sociedade e ver o que estava acontecendo.
Gostei muito da resenha!
Li esse livro quando eu era mais nova e bom não tinha o senso crítico que posso dizer que adquiri com o passar dos anos.
Na época não me parecia tão interessante como parece agora.
Irei procurar entre os meus livros e lê-lo, tenho uma perspectiva mais madura.
Obrigada por trazer esse clássico para nossos dias, Carl
Abraços
Olá! Apesar de ter gostado bastante da novela, acompanhei alguns capítulos da primeira versão e a segunda versão integralmente, ainda não me dei à oportunidade de ler o livro, Sinceramente imaginava uma história longa, com mais páginas e fiquei bem surpresa em descobrir que não teremos tantas assim, o que me deixou ainda mais empolgada em iniciar a leitura.
Oi, Carl!
Sem dúvida A Escrava Isaura é um clássico da literatura nacional, e conheço mais essa história através da novela da Globo do que pelo livro em si. Mas devo confessar que fiquei bem interessada em fazer a leitura agora depois de ler um pouco mais de como a história é narrada no livro.
Bjoss
Fui ator profissional em 1972 e trabalhei com Lucélia Santos em seu segundo trabalho profissional. Estou escrevendo atualmente “O SEGREDO DO SUCESSO DE LUCÉLIA SANTOS”, já tenho a versão e-book, será também em livro físico, video-documentário e audio-book. Sou testemunha ocular do início da carreira de Lucélia aos 14 anos de idade. Tenho revelações muito curiosas e que a mídia nunca tocou, pois desconhece. Abraços.