O âmbar é uma das resinas mais velhas do mundo e uma das que mais fascinam o homem. Com olhares científicos e até mesmo com cunhos mágicos, esta resina tinha a função de impedir que insetos e bactérias invadissem a madeira das árvores. Sua cor e estado quando aprisionava todas as lagartas e outros pequenos animais pode tê-los atraído, passando-se por alimento e enganando-os, fazendo-os cometer um erro – erro este que finalizaria-lhes a vida. E daqui puxo o gancho: erro. O que você pensa sobre errar? Em seu ponto de vista, o erro é visto apenas como equívoco, como algo contrário à verdade, de falsa doutrina, e que deve ser consertado, ou ele tem mais tons de aprendizado do que algo que deve ser evitado?

Ler TUDO O QUE NUNCA CONTEI foi como analisar uma borboleta presa no âmbar. Podemos vê-la – ver os personagens – em seus mínimos detalhes, podendo aproximá-los e afastá-los, girá-los e estudá-los nas palmas de nossas mãos. Com detalhes extensos, relatando fatos passados e presentes, a autora nos apresenta Lydia Lee e sua família, composta por seus pais e dois irmãos. A história relata o desaparecimento de Lydia e as repercussões dele, assim como o que pode tê-lo causado, mostrando a dinâmica dos Lee.

Parece simples, numa primeira olhada. Simples como um líquido âmbar e de aparência viscosa deve ter parecido para a borboleta citada acima. Mas acredite: nada neste livro é fácil. Tive que passar por adaptações e uma série de pausas, para me recuperar, antes que pudesse terminá-lo, processo esse que levou dois meses. Em primeira instância, a escrita da autora me causou problemas: há muitos detalhes, e essas minúcias retratam coisas de anos e anos antes da situação central, e fizeram que a leitura se arrastasse. Não percebia, no início, qual a importância de peculiaridades tão distantes e que só atrasavam o avançar da história. E até mesmo mais tarde, quando tinha conseguido me adiantar e notar aonde a autora queria chegar utilizando-se dessas particularidades, os detalhes pareciam excessivos.

Imagino que livros que abordam o caos familiar causem desconforto até em leitores com famílias de relacionamento saudável, portanto, se você, assim como eu, tem problemas familiares, prepare-se para projetá-los e vê-los vivos nos componentes desta narrativa.

A segunda questão que fez o livro ser tão difícil para mim, foi toda a perspectiva de suicídio. Ter tantos pontos de vista sobre o assunto, pontos de vistas intensos e que intercalam entre a mente depressiva e as das pessoas que ficaram para trás, deixaram-me esmagada. Não tenho outra palavra para descrever a sensação além dessa. A veemência emocional dos personagens e seus pensamentos a respeito, engatilham emoções e pensamentos no leitor. A complicação que tive em processar esta característica da leitura foi maior, pois há histórico de suicídio em minha família, por isso vale alertar que TUDO O QUE NUNCA CONTEI pode engatilhar pensamentos suicidas e é uma leitura que pode agravar o estado de pessoas com depressão. O terceiro fator, foi a tamanha profundidade em que os Lee, uma família extremamente disfuncional, é trabalhada. Imagino que livros que abordam o caos familiar causem desconforto até em leitores com famílias de relacionamento saudável, portanto, se você, assim como eu, tem problemas familiares, prepare-se para projetá-los e vê-los vivos nos componentes desta narrativa.

Todos os pontos levantados podem fazer com que vocês pensem que, de fato, fui a borboleta que pousou no âmbar, a borboleta que cometeu o erro de se aproximar demais dessas páginas – posso ter sido tal inseto, admito. Mas ler esta história não foi um erro, pelo contrário: está entre uma das melhores que conheci neste ano.

A autora, com sua escrita excepcional e seu olhar incomum, associando eventos passados e presentes com maestria e planejamento quase assustadores, mostra as múltiplas facetas do que pode ser considerado errar…

Celeste NG construiu personagens fortes, de gênios impulsivos – ou quase egoístas, dependendo de quem os lê – e os colocou em situações de crise que, aliadas às suas personas, criou comportamentos e sentimentos de culpa, de remediação, e vê-los nesse ir e vir, nessa evolução e questionamentos constantes, agrega muito ao leitor. As páginas nos fazem pensar em como as decisões e ações dos pais interferem – positiva e negativamente – na vida dos filhos, e o peso da família e seu papel nos sujeitos são sopesados quase de forma visceral.

A autora, com sua escrita excepcional e seu olhar incomum, associando eventos passados e presentes com maestria e planejamento quase assustadores, mostra as múltiplas facetas do que pode ser considerado errar, esmiúça suas consequências, aponta os ondes e os porquês, esclarece que podemos voltar atrás, podemos mudar algo que não nos agrada, que há como consertar o erro e desfazer um ledo engano.

Com uma edição pequena e agradável para suas 300 páginas, que permite que você carregue o livro por aí, papel de qualidade e design simples, embora bonito, TUDO O QUE NUNCA CONTEI, de forma devastadora e excruciante, nos leva a crer que é, sim, possível reaver, que é possível recomeçar. Entretanto, com um final de estilhaçar o coração, passa a mensagem de que não devemos demorar demais, esperar demais – porque nem o tempo ou a vida param, e o depois, o daqui a pouco, o já já ou daqui a uns meses podem revelar-se tardios em demasia.

Certa vez, no museu da faculdade, enquanto Nath fazia cara feia por ter perdido a exibição de planetário, ela vira uma pepita de âmbar com uma mosca presa lá dentro. […] Agora ela pensava na mosca pousando delicadamente na poça de resina. Talvez ela a tivesse confundido com mel. Talvez sequer tivesse visto a poça. Quando enfim percebeu seu erro, era tarde demais. Ela se debatera, afundara e então se afogara.

AVALIAÇÃO:


AUTORA: Celeste NG nasceu nos Estados Unidos, filha de chineses que imigraram na década de 1960. Formou-se em Harvard e fez mestrado em belas-artes na Universidade de Michigan, onde ganhou o Hopwood Award. Publicou diversos ensaios e textos de ficção antes de estrear como romancista com Tudo o que nunca contei, eleito um dos melhores livros de 2014 por The New York Times, Booklist, San Francisco Chronicle, Entertainment Weekly, The Huffington Post e Buzzfeed. Celeste mora em Cambridge, no estado americano de Massachusetts, com o marido e o filho.
TRADUÇÃO: Julia Sobral CAMPOS
EDITORA: Intrínseca
PUBLICAÇÃO: 2017
PÁGINAS: 301


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