Acredito que perder um filho seja a dor mais intensa, persistente e incurável que uma pessoa pode sentir. Não consigo imaginar como superar um sentimento desses. Alguns anos atrás, assisti a um filme que se chamava O TURISTA ACIDENTAL. Nele, o personagem principal, vivido por William Hurt, perde o filho em um acidente de trânsito. A história gira em torna da depressão que toma conta dele após a tragédia, da tristeza profunda pela falta do filho, do abandono da vida por não ter mais interesse, mas também pela conscientização de que ele continuava vivo e que, por isso, ele precisava se erguer e continuar. É um filme emocionante, triste, para ser visto com muitos lenços nas mãos.

A CRIANÇA NO TEMPO, obra de Ian McEwan, um dos maiores escritores de língua inglesa da atualidade, trata do mesmo assunto de uma forma completamente diferente, mas nem por isso menos emocionante e marcante. Na história, Stephen, um bem sucedido escritor de livros infantis, está com sua filha, Kate, de 3 anos de idade, na fila do supermercado. Ele passa as compras para a moça do caixa, enquanto Kate está logo atrás dele. Ele olha para conferir a filha, e ela olha para ele, distraída. Ele passa mais um produto para a moça do caixa. Ele olha para trás de novo, mas Kate não está mais lá. Simples assim. Em questão de segundos, a filha desaparece. E é isso o que acontece com a maioria das crianças que se perdem em locais públicos. Basta uma olhada para o lado, uma conferida no celular, uma distração com algo exposto na vitrine de uma loja. Bastam segundos, pouquíssimos segundos.

A narrativa de McEwan, ao contrário do que eu esperava, e esse é o ponto que o diferencia do filme que mencionei no primeiro parágrafo, não se concentra no que acontece logo após o desaparecimento de Kate. Há apenas uma breve descrição das buscas, do período de depressão de Stephen e esposa, que culmina na separação de ambos, e pronto. Acontece um pulo grande de tempo, vários anos, e já acompanhamos Stephen na vida que ele consegue ter. Aliás, o tempo não é contínuo na história, uma vez que as memórias de Stephen são sempre trazidas para permitir ao leitor compreender quem ele é.

É um livro inteligente, profundo, com nuances em cada parágrafo que exigem raciocínio do leitor, com uma carga emocional e psicológica imensa.

Acompanhamos, principalmente, sua participação em uma comissão do Parlamento para a saúde e educação das crianças, onde acontecem trechos carregados de ironia e com aquele humor discreto dos ingleses. Além dessas partes, também conhecemos o relacionamento de Stephen com seu amigo mais próximo, Charles Drake, que apesar de ser casado com uma física conhecida, desperta um interesse romântico no Primeiro Ministro, em uma pequena participação ao final do livro. Mas tudo isso só agrega um saber ao leitor de como Stephen leva sua vida. As partes que realmente entregam quem ele é, são as que narram sua infância com os pais, no período pós-guerra, onde as relações não eram tão compreensíveis e tranquilas quanto nos dias atuais.

Todas essas memórias, e situações do dia-a-dia, são intercaladas com pensamentos sobre Kate, sobre como ela estaria após tantos anos desaparecida, se algum dia ele a encontraria. Partes onde Stephen interage com uma garota sem teto, apenas porque ela lembra a filha se fosse mais velha, ou quando ele confunde a filha com uma criança que vê numa escola, são tristes e demonstram o quanto o personagem está afetado psicologicamente. Por mais que ele mantenha sua vida, no fundo, ela se mantém apenas por necessidade.

O relacionamento de Stephen com sua esposa, aos poucos, consegue ser retomado, e embora ele não faça parte da trama central, é com ele que o livro termina, de uma forma que pode doer mais o coração, porque demonstra que, quando se perde um filho, apesar da vida continuar, apesar do sorriso, apesar dos planos de novos filhos, apesar de tudo que demonstra que você está bem, no fundo, na verdade, você nunca esquecerá, você nunca estará bem de novo, porque um filho é a única coisa que nunca deixa você.

A CRIANÇA NO TEMPO é um livro inteligente, profundo, com nuances em cada parágrafo que exigem raciocínio do leitor, com uma carga emocional e psicológica imensa. Uma leitura que deixará você pensando por muito tempo. E se você for pai ou mãe, ao fim da história, com toda a certeza, irá abraçar seu filho bem forte, muito forte, e agradecer pela benção.


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Ian MCEWAN é considerado um dos grandes nomes da ficção britânica contemporânea. Seu primeiro livro, First love, last rites (1975), ganhou o prêmio Somerset Maugham. É conhecido pela inventividade com as palavras e pelo gosto de usar a mecânica dos thrillers como crítica social. Ao longo de sua carreira foi indicado diversas vezes para receber o Booker Prize, o mais prestigiado prêmio literário britânico, o que veio ocorrer em 1998 com o livro Amsterdam (1998). Sua obra é famosa pelo realismo psicológico, com rigor de detalhes e clima ameaçador, explorando com frequência temas complexos como escolha ética, decisões difíceis e circunstâncias extraordinárias.
TRADUÇÃO: Jorio DAUSTER
EDITORA: Companhia das Letras
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 288


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