Mickey Barnes é um prescindível, agora em sua sétima iteração, vivendo – e morrendo – entre seus companheiros na colônia especial gelada e praticamente inabitável de Niflheim. Alguns o consideram imortal. Outros acreditam que ele é um monstro sem alma. Nos últimos nove anos, tem sido enviado a missões praticamente suicidas, sujeito a experimentos que testam os limites da resistência humana, tudo pelo bem maior da espécie.

Durante uma missão de reconhecimento, Mickey7 acaba ferido e é largado para morrer. No entanto, contra todas as possibilidades, ele consegue sobreviver e retornar à base. O problema é que, dado como morto, Mickey7 já havia sido substituído pela próxima geração: Mickey8. Nenhum dos clones está disposto a se reciclar, mas, se alguém descobrir que existem múltiplos Mickeys, ambos serão executados – e não haverá um Mickey9.

E esse não é o único segredo guardado por Mickey7: por um mês, ele não fez o upload de suas memórias, deixando seu clone no escuro sobre sua “quase morte” e um encontro com os habitantes do planeta gelado, supostamente irracionais. Mickey7 também não sabe como todas as suas versões anteriores morreram, e as mortes que ele consegue recordar deixaram marcas profundas… o que o faz desconfiar das reais intenções da colônia.

A história de MICKEY7 gira em torno do Mickey e seu esforço para viver num planeta estranho e perigoso. Ao mesmo tempo, ele precisa pensar nas questões morais de poder voltar à vida várias vezes. O livro está cheio de surpresas, mostrando não só como é difícil para ele se manter vivo, mas também os problemas éticos que ele enfrenta. Mickey precisa se perguntar até onde pode ir aceitando morrer várias vezes para continuar existindo e o que realmente o faz ser ele mesmo, comparado ao primeiro Mickey.

O livro foca no lado científico e na natureza humana, sem entrar em temas de alma ou religião. Ele trata as pessoas como seres biológicos e racionais, evitando qualquer aspecto religioso. Acho que isso foi uma boa escolha. Evitar esses temas ajuda a manter a história clara e direta, sem complicar com questões profundas de existência. Isso permite que a história se desenvolva sem se perder em debates sobre o renascimento do corpo e da alma, o que poderia afastar a atenção da aventura principal.

MICKEY7 é uma história sobre encontrar quem você é e perceber o valor de ser único. Mas o livro vai além e questiona o que significa ser um ser vivo e consciente. Será que só os humanos se encaixam nessa descrição? Ou será que um ser que parece agir só por instinto também pode ter inteligência, sentimentos e emoções? O livro nos faz pensar sobre essas questões, ampliando a ideia de quem ou o que pode ser considerado verdadeiramente vivo e capaz de sentir.

No livro, o planeta onde Mickey e sua equipe estão trabalhando é lar de criaturas chamadas rastejadores, que são perigosas e misteriosas. Durante um acidente que Mickey enfrenta, que por pouco não o mata, ele descobre algo surpreendente sobre esses seres: eles são capazes de sentir e ter experiências próprias, como nós. Isso quer dizer que eles podem sentir dor e alegria, como os humanos. Ao perceber que os rastejadores são seres sencientes, ou seja, que têm sentimentos, Mickey começa a questionar se os humanos deveriam repensar suas ações no planeta, já que suas atividades afetam a vida e o bem-estar dessas criaturas. Essa revelação desafia as noções anteriores sobre o planeta e suas espécies, levando a uma reflexão sobre como os humanos interagem com outros seres vivos.

A descoberta de que os rastejadores são seres sencientes acontece ao mesmo tempo que Mickey percebe o valor de sua própria vida e como suas mortes repetidas afetaram seu senso de propósito e individualidade. Paralelamente, Mickey enfrenta um dilema sobre o que fazer com o novo clone, Mickey8. Ambos têm o mesmo direito à vida; não é justo escolher entre eles. Mickey8 foi criado pensando-se que Mickey7 estava morto, então não seria justo puni-lo com a morte. Da mesma forma, Mickey7, que sobreviveu contra todas as expectativas, não deve ser descartado. Esta situação não tem uma resposta fácil ou correta, criando um conflito intenso e emocional para ambos.

Na história, além de Mickey7, há personagens marcantes como Berto, o piloto. Apesar de ter deixado Mickey7 para trás, surpreendentemente, ele é seu grande amigo. Temos também Nasha, por quem Mickey tem sentimentos românticos, e que se destaca pela sua lealdade extrema, até mesmo acima de sua própria vida. Outro personagem importante é Marshall, o líder da colônia, que se foca em manter a produção funcionando perfeitamente. Ele não gosta dos rastejadores e quer se livrar deles a qualquer custo, e por razões pessoais, têm uma aversão especial por Mickey.

O livro aborda esses temas de forma leve e até engraçada. É interessante ver como Mickey7 e Mickey8 se esforçam para agir como se fossem uma única pessoa, evitando que os outros descubram a verdade para que nenhum dos dois seja eliminado. Eles têm que lidar com como manter um romance e amizades, ao mesmo tempo em que dividem as tarefas do dia a dia sem despertar suspeitas. Além disso, surge a questão crítica: quando a próxima missão perigosa vier, qual dos dois Mickey terá que enfrentá-la?

O único ponto que me incomoda no livro é como Mickey7 e Mickey8, apesar de serem clones, não agem de forma similar. Se ambos são clones com as mesmas memórias e experiências até certo ponto, espera-se uma maior semelhança em suas ações e decisões. Mas Mickey8 pensa e age de modo diferente em diversas situações, inclusive moralmente. Parece que isso não foi uma escolha intencional do autor, mas sim um deslize na forma de contar a história. Mickey7 é claramente o herói, o que não seria um problema se Mickey8 também mostrasse essas mesmas qualidades heróicas. No entanto, Mickey8 tem um comportamento distinto, tomando decisões que muitas vezes contradizem o que Mickey7 faria.

Assim, o leitor acaba tendo mais facilidade para decidir por quem torcer. Mesmo que pareça um erro não intencional, podemos ver uma lição importante aqui: mesmo que alguém seja biologicamente idêntico a outro, como um clone, seu modo de pensar e agir será diferente. Isso acontece porque características como personalidade, valores e moral, que fazem alguém ser único, não são simplesmente copiados. Eles são formados pelas experiências e vivências de cada um. Então, mesmo que Mickey7 e Mickey8 sejam fisicamente iguais, suas escolhas e comportamentos refletem suas jornadas individuais e a essência de quem eles realmente são.

MICKEY7 é uma aventura leve que não entra em debates religiosos ou espirituais, o que eu acho que foi uma boa escolha. No entanto, às vezes penso como seria uma versão alternativa do livro. Nessa outra versão, poderíamos explorar a fundo a ideia de clonagem e suas implicações espirituais: o que acontece com a alma e a essência de uma pessoa quando ela é clonada várias vezes? Será que cada clone teria sua própria alma? E se for assim, como isso afetaria as crenças religiosas e espirituais no contexto da história? Essas questões adicionariam uma camada profunda e complexa à narrativa, desafiando as noções tradicionais de identidade, consciência e fé.

No livro, a trama vai além das aventuras de Mickey7. Conforme a história avança, especialmente perto do clímax, os rastejadores passam a ser o foco principal. Mickey percebe que esses seres são inteligentes e merecem viver, não devendo ser eliminados apenas para beneficiar a colônia. Proteger essas criaturas se torna sua principal missão, mesmo que isso signifique arriscar sua própria vida, algo que ele aprendeu a valorizar. Assim, a história destaca a importância de respeitar e preservar outras formas de vida, além das questões de sobrevivência individual.

Estão fazendo um filme baseado no livro, com Robert Pattinson como ator principal. Pelo que vi, vão mudar algumas coisas na história, incluindo o título para MICKEY17, indicando que o personagem morreu mais vezes nessa versão. Parece que o filme vai explorar não só as questões filosóficas, mas também tocar em temas espirituais e religiosos. Essa é uma observação minha, baseada nos cartazes e imagens divulgadas, que parecem sugerir um enfoque mais psicológico do que uma simples história de aventura e ação.


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Edward Ashton
TRADUÇÃO: Aline Storto Pereira
EDITORA: Planeta Minotauro
PUBLICAÇÃO: 2023
PÁGINAS: 288
COMPRE: Amazon