Os habitantes da cidade de Castle Rock, na sua maioria, ficam curiosos com a chegada de um novo morador, que pretende abrir um comércio de venda de itens diversos. Até o nome da loja desperta curiosidade: Artigos Indispensáveis. O nome do homem é Leland Gaunt e ele se mostra uma pessoa deveras curiosa. Facilmente, ele consegue a atenção de quem entra em seu estabelecimento, que sempre possui aquilo que o cliente mais deseja. E os preços variam de acordo com as possibilidades do comprador, mesmo para itens raros. Entretanto, além do preço financeiro, o cliente precisa realizar um pequeno favor aparentemente inofensivo para Leland, uma pequena brincadeira com algum outro morador de Castle Rock. Mas, aos poucos, esses favores têm um efeito perverso e mortal.

O título TROCAS MACABRAS traduz perfeitamente o conteúdo que o leitor irá encontrar nas páginas de mais essa obra de Stephen King. Realmente não existe nenhuma surpresa sobre a índole de Leland, ou sobre a dubiedade de seus pedidos, ou sobre como quem os realiza, irá se arrepender em algum momento, se estiver vivo para isso. Então a curiosidade se concentra em descobrir de que forma cada favor irá provocar a morte de alguém e em qual momento Leland será desmascarado e confrontado.

Quem realiza os favores, nunca está ligado diretamente a quem vai sofrer a consequência do ato. Por exemplo, o jovem Brian, de 11 anos de idade, compra o cartão raro de um jogador famoso por poucos centavos, algo que seria impossível. Como forma de completar o pagamento, Leland pede que Brian suje de lama os lençóis de sua vizinha da frente. À primeira vista, realmente parece apenas uma traquinagem. Mas a tal vizinha, quando descobre o que aconteceu com a roupa acabada de lavar, acha que quem fez foi uma outra pessoa que a importunava há muito tempo. Então a ira é direcionada para essa outra pessoa, o que desencadeia uma série de eventos que culminam em morte.

Assim acontece com vários outros personagens, cada um deles após comprar o item dos sonhos da loja de Artigos Indispensáveis. E essas situações vão crescendo, crescendo, igual uma bola de neve, cada vez em maior quantidade, até que tudo explode em algum momento, quase destruindo toda Castle Rock. Bem que Stephen King comentou que esse seria o último livro que teria a cidade como pano de fundo. Felizmente isso não se concretizou, a cidade voltou a ser personagens de outros livros depois de TROCAS MACABRAS.

Como personagem principal, temos o xerife Alan Pangborn. Ele já havia aparecido em outra obra, A METADE SOMBRIA, que tem resenha aqui. A participação dele nesse livro é mencionada durante a narrativa de TROCAS MACABRAS, mas não chega a ser um spoiler de importância. Entretanto, existem pequenas partes que descrevem brevemente a conclusão ou um evento importante de outros livros, como ZONA MORTA e CUJO. Para quem nunca leu, não vai fazer diferença e também não se sentirá perdido, uma vez que essas descrições são bem colocadas. Para quem leu, será delicioso ver como as histórias desses livros continuaram mesmo após a última página. E se você não gosta de spoilers, bem, sinceramente, quando for ler qualquer um desses livros mencionados, você nem se lembrará de qual é o spoiler.

Alan é o antagonista de Leland, e este sabe disso. Leland reconhece que Alan é um dos poucos moradores de Castle Rock que pode estragar seus planos. Por isso, durante toda a história, Leland cria situações que impedem Alan de entrar na loja de Artigos Indispensáveis. A atenção de Alan sempre é direcionada para algo mais urgente do que ir conhecer o dono da loja. Claro que no clímax, quando várias mortes já aconteceram, e algumas pistas apontam para Leland, o confronto acontece.

Além de Alan, também temos sua namorada, Polly, uma mulher que sofre de dores terríveis nas mãos, devido a uma severa artrite. Ela é a primeira a conhecer Leland e uma das últimas a ser enganada com o pacto em troca daquilo que mais deseja. Polly é inteligente, decidida, e esconde um drama terrível em seu passado. Nem mesmo Alan conhece essa sua parte. Da mesma forma que Polly, Allan possui uma tragédia em sua vida, a perda de sua esposa e seu filho em um acidente de carro, pouco tem após os acontecimentos de A METADE SOMBRIA. Existe um detalhe no acidente que é estranho, que não deixa Alan em paz. Mas, claro, que Leland conhece ambos os segredos.

Existem outros personagens, muitos até, uma vez que as tragédias construídas por Leland, precisam de protagonistas. E as ações de todos eles, são descritas na história como forma de mostrar a ligação entre as traquinagens pedidas por Leland. King não economiza nas descrições, mas isso é uma característica de sua escrita. Para King, cada personagem precisa ter profundidade, precisa ter consistência, ser único na história. Ele não existe apenas para comprir um propósito e desaparecer, ele precisa ter passado, presente e futuro. O que talvez torne a leitura dessas partes um pouco cansativa, é o fato de não existir nenhuma ansiedade pelos resultados do que esses personagens fazem, uma vez que é bem óbvio o que acontecerá. A ansiedade fica mesmo por conta do momento em que Alan irá confrontar Leland.

Para apreciar Stephen King, o leitor precisa ter consciência de que não pode ter pressa na leitura, tem que conseguir se inserir na trama e se deixar levar pelo ambiente que King cria. E quase sempre, a narrativa flutua entre eventos completamente cotidianos, normais, para, de repente, cair em algo bizarro, fora da realidade ou surpreendente. Ao mesmo tempo que lemos trechos de completa normalidade, de repente somos jogados para algo que nos faz arregalar os olhos. E isso não acontece apenas pelo fantástico, mas também pela mudança do gênero da narrativa, que pode flutuar de algo calmo, para algum sexo explícito ou violência gore.

TROCAS MACABRAS foi escrito pouco tempo depois de King sair de um período longo de reabilitação. Ele foi interditado pela família, quando as drogas ameaçavam terminar com sua vida. Essa experiência está bem presente no cenário da história. Todos nós temos alguma coisa pela qual pensamos dar qualquer coisa em troca. Seja material ou não. E quando essa possibilidade é dada aos vários personagens do livro, existe um comportamento de dependência, de vício, na forma como eles reagem. Eles param de pensar de forma racional, ou mesmo emotiva, e abandonam qualquer normalidade para conseguirem o objeto de desejo, custe o que custar. É uma forma análoga a como um viciado age em sua dependência química.

TROCAS MACABRAS é uma ótima leitura, uma história com todas as características de Stephen King, inclusive aquele final estranho, exagerado, cheio de eventos absurdos e que pulam fora de qualquer realidade. Mas isso é o que o torna ímpar naquilo que escreve. E eu acho incrível!

Ah, a edição que li é a nova da Suma, capa dura, de luxo, com nova tradução e revisão. Indico demais essa edição, ainda mais que o preço caiu pela metade de quanto era no lançamento. Espero que se mantenha assim, ou até mais baixo, em alguma promoção. Fique de olho e não deixe passar.


AUTOR: Stephen KING
TRADUÇÃO: Regiane WINARSKI
EDITORA: Suma
PUBLICAÇÃO: 2020
PÁGINAS: 656


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